Pedra Branca, um bairro planejado a 18 quilômetros de Florianópolis (SC), parece uma cidade na contramão. Ainda bem.
Quantas vezes você já se perguntou como seria ir a pé para o trabalho, ou de bicicleta, almoçar em casa, talvez até tirar um cochilo após o almoço? Quem vive nas grandes cidades acalenta esse sonho utópico de uma realidade cotidiana que ficou no passado. Pois é exatamente lá, no passado, que alguns estão encontrando o futuro. Veja:
Enquanto famílias buscam terrenos e residências para viver em tranquilidade em sítios ou condomínios residenciais fora do burburinho das grandes cidades e, portanto, distante do local de trabalho, o administrador Carlos Eduardo percorreu um caminho inverso: transferiu sua empresa para a área onde gostaria de morar, no bairro Pedra Branca. Quando viu que a experiência deu certo, comprou uma casa para se tornar vizinho da sua empresa. “A maioria adequa a residência à empresa. Eu inverti. Adequei a empresa à casa em que imaginei viver”, diz Carlos, ex-sócio de uma empresa da indústria eletrônica que, ao se mudar com a família para o bairro sustentável, conseguiu realizar um outro sonho de consumo: ir de bicicleta para o trabalho. Como antigamente.
O almoço caseiro em dias úteis, verdadeiro luxo nas grandes cidades, é uma rotina fora de moda. O engenheiro Ramiro Nilson reconquistou esse direito após mudar-se para Pedra Branca, onde mora e trabalha. E comemora: “Posso almoçar todos os dias em casa”. Como antigamente.
O engenheiro Ramiro Nilson, que almoça em casa diariamente; a psicóloga Taís Mazzola trabalha a 150 metros de onde mora e vai a pé. Foto: Cacalos Garrastazu.
Contrariando a tendência dos cidadãos de se entocarem em casa, privilegiando o conforto e a segurança interna, a rua retoma seu espaço no convívio urbano. Num cenário em que o paisagismo, o mobiliário e até mesmo a largura das calçadas favorecem a convivência, os prédios do bairro Pedra Branca não têm sofisticadas áreas de lazer ou playgrounds que lembram parques de diversão. A ideia é estimular laços entre vizinhos. Como antigamente.
Os celebrados conceitos de prédio residencial e prédio comercial perdem sentido na Pedra Branca: no mesmo edifício convivem escritórios funcionais e apartamentos confortáveis, como já foi um dia.
Tudo parece paradoxal nesse projeto erguido ao pé de uma linda montanha e que exibe o selo oficial de sustentabilidade da Fundação Clinton. Mas nem tão paradoxal assim: a ideia de que o futuro pode estar no passado faz todo o sentido no bairro Pedra Branca. Diferente de planejamentos residenciais nos quais a vida em torno do lar é o centro, nessa comunidade tudo gira em torno do conceito de pouca locomoção: o objetivo é trabalhar, estudar, se divertir e morar no mesmo lugar.
A ideia de que o futuro pode estar no passado faz todo o sentido no bairro-cidade
A carta de princípios do empreendimento, escrita na analógica década de 90, resume tudo numa frase curta: “Um lugar onde as amenidades urbanas convivam em harmonia”. O empresário Valério Gomes Neto, autor do projeto, resume assim: “É um estilo salada de frutas: quanto mais misturar residências, comércio e serviços, melhor”.
Tudo se baseia nos princípios do Novo Urbanismo, uma prática surgida na década de 1980 nos Estados Unidos que se espalhou para países europeus. Inspirado nos padrões existentes nas cidades antes da predominância dos automóveis, é um conceito que resgata a cidade para as pessoas em vez de carros.
O Novo Urbanismo prega que as cidades foram se modelando, se deformando e se espraiando com autopistas, avenidas largas e grandes estacionamentos, perdendo a mistura e distanciando os habitantes. O dia-a-dia das pessoas ficou desconectado, a moradia ficou mais longe do trabalho e a dependência do automóvel até para atividades corriqueiras só aumentou.
Área, que já foi uma fazenda de gado, é cercada por montanhas. Foto: Cacalos Garrastazu.
Tudo começou em 1999, quando o empresário Valério Gomes — um dos herdeiros da família que controla o Grupo Portobello, cuja cerâmica é uma grife nacional — vivia o litígio de uma área de 250 hectares em crescente conflito com os bairros do município de Palhoça. Ou cercava a área e erguia um condomínio fechado, ou partia para a construção de um bairro planejado, sem muros nem grades.
Talvez seja a primeira vez que a âncora de um bairro-cidade tenha sido uma universidade. A primeira providência foi doar 15 hectares para a Unisul (Universidade do Sul de Santa Catarina) e assim assentar, com vida, movimento e cultura, a primeira pedra. “Uma cidade que nasce em torno de uma universidade já nasce diferente” decreta o arquiteto e ex-prefeito Jaime Lerner, consultor do projeto, guru do urbanismo brasileiro.
“Uma cidade que nasce em torno de uma universidade já nasce diferente”
Pedra Branca projeta uma população de 80 mil pessoas até 2030 —
Essa história foi escrita pelo jornalista Ricardo Stefanelli, parceiro do Eder Content em Florianópolis (SC), com edição de texto da jornalista Andréia Lago, fotografias e edição de imagens de Cacalos Garrastazu e design gráfico de Juliana Karpinski.
https://medium.com/eder-content/viver-como-antigamente-68b3f4360775
Fotos: Cacalos Garrastazu.